Por Lucila Paixão
Dudu chega do colégio cheio de dúvidas na cabeça:
– Mãe, quem é Deus?
A mãe estava ocupada na cozinha, mas se propõe a
responder à pergunta:
– É o criador do universo, dono do mundo, um ser
bom. Ele é o nosso Pai e de todos os homens e mulheres deste mundo.
– hum... Um ser bom. Ele é procurado não é?
– Bastante, todo mundo, até quem não acredita, o
procura.
Com ar de preocupação, Dudu senta-se no sofá e
respira fundo...
– Hunf... Sabia! Tadinho...É por isso que Ele tem tantos
nomes!
A mãe sorri, e senta-se junto a ele.
– Como assim, menino? Tadinho!! Hum! Deus é
Deus!
– Nada disso! O Padre Reginaldo disse
que o nome de Deus é Deus, mas Paulinho disse que o nome Dele é Olorum!
– Quem é Paulinho?
–Paulinho, o filho de dona Cândida. Ele faz banca
comigo.
– Ele é de que religião? Umbanda? Candomblé?
– Ele é da Umbanda, mãe.
– Umbanda, Candomblé, é tudo a mesma coisa!
– Não é nada! Mas o que tem a ver isso?
Revoltada, a Dona Marieta, a mãe de Dudu,
levanta-se do sofá e diz:
– Não quero mais você andando com ele! Mania de
andar com quem não deve!
– Por quê? Só porque, para ele, Deus é
Olorum? Você não disse que ele era muito procurado? Até o tio Claudio diz que o
nome Dele é Alá!
– Seu tio é um abestalhado que se envolveu com uma
mulçumana e agora se diz Islão!
– E a Sabrina, sua melhor amiga, que vive dizendo
que Jeová vai voltar?
– Jeová é Deus, menino!
– E Olorum e Alá também não são outros nomes de
Deus?
– Ah! Já chega de tanta conversa! Que menino que
pergunta demais!
A mãe retorna aos seus afazeres na cozinha
indignada. Como pode seu filho estar dizendo um absurdo desses.
Mas Dudu não desiste e segue a mãe até a cozinha.
– Mas mãe...
Dona Marieta interrompe. Ela havia
passado o dia todo cuidando da casa. Estava chateada com o carteiro que só lhe
havia trazido contas para pagar, com o encanador que prometeu chegar até às 11
horas para ajeitar a pia entupida , mas até aquela hora não
chegara – e já passava das 13h. Estava sentindo-se cansada e
injustiçada, aí chega seu filho, para completar, cheio de duvidas sobre Deus,
algo que para ela sempre foi muito simples de entender.
Nascida e criada na religião católica, com direito
a batizado, catequese e crisma, Dona Marieta sempre criou os filhos seguindo a sua
religião. Devota de Santo Antônio, o Santo Casamenteiro e de Cosme e Damião,
frequenta a missa das 18h e participa da Trezena de Santo Antonio todos os
anos. Era inadmissível, para ela, que seu filho de oito anos, praticamente com
oito anos frequentando a Igreja Católica, viesse lhe fazer tais perguntas.
– Nada de “mas mãe”! Vai pegar minha sacola que nós
vamos à Feira de São Joaquim.
Carlos Eduardo, o Dudu, sempre foi curioso e quando
se via com duvidas não se conformava enquanto não alcançasse uma resposta
convincente para ele, que o fizesse compreender o que tanto o afligia, e
como não obteve isso da mãe, continuou a insistir:
– Ah não, mãe! Ainda tenho duvidas, porque não dão
um sossego a Deus?
Ela respira fundo, como se quisesse controlar a
fúria, pois a vontade que lhe ocorria naquele momento era de lhe dar “uns
tapas” e coloca-lo de castigo, resolve deixar o filho falar.
– Como assim Dudu?
– Por que não param de pedir coisas a Ele, tudo têm
que recorrer a Ele; será que ninguém entendeu o porquê de tantos nomes, de
tantas religiões diferentes?
– Onde você quer chegar Carlos Eduardo!
– Ora mãe, não vê que o porquê do bichinho ter
tantos nomes? É que o procuram demais, aí quando ele quer um descanso, ele muda
de nome, aí vocês vêm de lá e descobrem o novo nome dele. Tadinho! Porque não o
deixam em paz?
Dona Marieta percebeu que esta batalha estava sendo perdida
e teria que conversar com ele sobre o assunto, mas naquele momento, com os
ânimos aflorados, estava sem paciência para ter um diálogo sereno,
resolveu transferir a conversa para outro momento.
– Ai, ai Dudu, só você mesmo! Na volta da feira
conversaremos sobre isso. Tem muita coisa que você precisa entender. Cada
religião é uma religião e fim de papo.
Percebendo que não teria espaço para conversar naquele
momento, mas havia conseguido uma possibilidade de tirar suas duvidas em outra ocasião,
Carlos Eduardo se contentou e resolveu esperar pela volta da feira.
– hunf... tá!
E mudou de assunto.
– Mãe? O que vamos comprar na feira?
- Quiabo, amendoim, milho de pipoca, milho branco,
feijão, azeite, cana, rapadura... Setembro está chegando, meu filho. Tenho
que fazer o Caruru de Cosme e Damião.
Carlos
Eduardo sorriu, e pensou... “é... cada religião é uma religião... em qualquer
lugar, menos aqui!”
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